Leandro Grass | 05/03/2018 | 12:34:27
Fonte: Leandro Grass

Não se faz democracia apenas com políticos eleitos. A maravilhosa invenção grega, atualizada pelos modernos e em crise na contemporaneidade, só é possível com o envolvimento direto e ativo dos cidadãos. Um modelo que não conte com essa variável deve receber qualquer outro nome, menos democracia. A sociedade civil organizada é a base de qualquer sistema democrático. Seja no executivo, no legislativo ou no judiciário, a abertura do Estado ao diálogo, interferência, fiscalização e controle da população determina se os direitos serão plenamente efetivados. Sem participação, diminui-se a liberdade, aumentam as brechas da corrupção e as políticas públicas caem na vala do voluntarismo ilegítimo.

Participar é um direito e, no Brasil, ele vem se efetivando progressivamente desde 1988.  Apesar disso, ainda há desafios a serem enfrentados. Mudanças legislativas trouxeram mais transparência aos gastos públicos, mas os dados ainda são inacessíveis e de difícil compreensão para uma boa parte das pessoas. Políticas públicas continuam surgindo nos gabinetes dos ministérios e secretarias sem qualquer escuta dos cidadãos, entidades ou grupos interessados. Portais do legislativo fornecem informações sobre a atuação dos parlamentares, mas a maioria dos gabinetes ainda funciona como um negócio particular. O judiciário segue uma caixa preta envolta em túnicas que reproduzem um juridiquês quase canônico e de baixíssimo controle social. Tudo isso nos permite questionar e refletir sobre o caráter democrático do Estado brasileiro.

Apesar disso, experiências nas diferentes áreas e níveis governamentais demonstram que avançamos no estreitamento da relação entre representantes e representados. Ampliamos as conferências e conselhos gestores,  fazendo com que muitas políticas de sucesso nascessem do debate promovido por grupos, entidades e redes da sociedade civil organizada. Anualmente realizamos centenas de seminários e audiências públicas para que especialistas e cidadãos interessados se posicionem sobre projetos de lei em tramitação. Em algumas câmaras, uma parte da pauta de votação já é definida por indicação dos cidadãos. Outras realizam sessões itinerantes nas cidades para ouvir de perto as comunidades. Sem contar os diversos projetos de lei de iniciativa popular já aprovados tanto em nível municipal, quanto estadual e federal, como a Lei da ficha Limpa.

Nesse processo de abertura do Estado, as novas tecnologias se tornaram grande aliadas do povo. No país inteiro, os portais virtuais vêm consultando os cidadãos sobre temas relevantes, além de permitir que alguns projetos recebam contribuições diretas da população, a exemplo do Marco Civil da Internet aprovado em 2013. Diversos governos já adotam aplicativos e plataformas para uma escuta direta da população em diversas situações. Alguns parlamentares vêm exercendo mandatos abertos, consultando os eleitores sobre projetos de lei, posicionando-se conforme sua orientação e permitindo que as emendas sejam definidas por orçamento participativo. Iniciativas de membros da sociedade civil estão dando maior transparência aos gastos públicos e colocando em xeque o seu mau uso, a exemplo da Operação Serenata de Amor. Outras vêm facilitando as iniciativas populares, como o aplicativo Mudamos. Ou seja, na era digital, participar tornou-se mais possível.

Mas será não que podemos ir além? E se os representantes publicassem sua agenda do dia e transmitissem ao vivo suas ações, encontros e reuniões? Isso lhes daria maior confiança e legitimidade da população. E se definissem um dia da semana para tomarem café ou almoçarem com eleitores interessados em tirar dúvidas? Melhor ainda se fossem sorteados. Eis uma ótima oportunidade de escuta. E que tal um aplicativo que permitisse aos próprios cidadãos fotografarem situações ou problemas da cidade, fazendo com que as imagens chegassem diretamente no celular dos responsáveis com um prazo para serem atendidas? E se a maioria dos moradores de uma cidade determinasse algo e a prefeitura fosse obrigada a realizar? Claro, respeitando a previsão orçamentária. Essas e outras são situações que já acontecem dentro e fora do Brasil. Quem sabe a exceção não vira regra? Não custa nada sonhar com democracia.


Compartilhar