Onde ficam os partidos na reforma política?

No debate sobre reforma política, muito se fala acerca das mudanças das regras eleitorais e modalidades de financiamento dos partidos e candidaturas. No entanto, pouco se comenta sobre as instituições que definem a utilização dos recursos e que escolhem quem serão os candidatos: os partidos políticos.

Essas agremiações deveriam ser uma importante ferramenta de aglomeração de pessoas e ideias em um sistema político democrático. O ideal seria que, no centro da sua atuação, houvesse a unificação de pessoas com o objetivo de defender seus posicionamentos nos espaços de poder. Portanto, o que leva a população a considerar essas instituições falidas?

Segundo a Transparência Internacional (2013), os partidos são a instituição que possuem a menor credibilidade entre os brasileiros. O estudo revela que 81% da população acredita que os partidos são “corruptos ou muito corruptos”. Em seguida, acompanhando o ritmo de descredibilidade, está o Congresso Nacional com 72% de desaprovação da população.

As agremiações partidárias não cumprem seu papel há um bom tempo. Os mesmos deixaram de defender suas convicções políticas e ideológicas para priorizar a governabilidade, os interesses pessoais dos dirigentes e as negociatas que desencadearam a atual crise política. Nesse sentido, deixaram de ser uma corrente de pensamento de parte da população e se tornaram uma bancada de negociação para interesses individuais. Para mudar esse cenário o controle interno e a transparência das legendas são essenciais para a mudança do nosso sistema político.

Segundo a lei n° 9.096/1995, os partidos são instituições de caráter privado, com liberdade de definição de estrutura interna, organização e funcionamento. Contudo, a autonomia partidária não pode ferir nossos princípios democráticos enquanto nação. É preciso ter em mente que apesar dessas agremiações possuírem caráter privado, os mesmos exercem como atividade fim uma função pública ao mediar a relação entre sociedade e poder político.

As distorções eleitorais iniciam-se dentro das estruturas partidárias que possuem estatutos vulneráveis, que por sua vez, possibilitam o abuso econômico e de poder, a centralização e perpetuação de prática antidemocráticas. Nesse viés, uma defesa importante é tornar um dever legal a atualização dos estatutos partidários de forma periódica e que haja limite de reeleição partidária, de modo que os partidos não permaneçam como verdadeiras oligarquias. Essas medidas não inviabilizariam a autonomia, mas auxiliariam no aprofundamento da democracia dessas instituições, que exercem poder direto e exclusivo nas eleições.

A Constituição de 1988 dá autonomia administrativa e financeira para as legendas fornecendo fundo partidário, com a contrapartida de prestação de contas ordinária durante o ano e campanhas eleitorais. Atualmente, segundo a Resolução do TSE nº 21.841/2004, a prestação de contas dos partidos deve ser feita apenas uma vez ao ano. A falta de periodicidade e padrão para prestação de contas abre brechas para a emissão de notas fiscais frias e destinação de dinheiro público para atividades privadas. Nesse contexto temos dificuldade de mensurar o verdadeiro valor necessário para manutenção da instituição.

Nas eleições de 2016 a prestação de contas eleitorais foi realizada online e com 72 horas de prazo, parece palpável que a prestação de contas dos partidos passe a ser mensal. A prestação de contas mensal viabilizaria maior agilidade do TSE no julgamento das contas e maior acompanhamento da população no que se refere a utilização de recursos públicos.

Outro importante ponto de reflexão é se legendas acompanham as dimensões de direitos humanos e representatividade do país. A prática de candidaturas laranjas de mulheres é uma tradição eleitoral brasileira. Os partidos dentro de uma tradição machista/patriarcal de ocupação de espaços de poder pouco se esforçam para atrair e formar quadros femininos com verdadeiras chances de eleição.

A atual regra destina apenas 5% do fundo para a pauta de gênero, e demonstrou que pouco altera a estrutura institucional partidária. Os dirigentes preferem “perder 5% do seu orçamento” a realmente democratizar sua estrutura para garantir participação de gênero, por isso é urgente a ampliação do valor do fundo partidário destinado a mulheres para que se garanta autonomia financeira das mesmas na estrutura partidária. Dessa forma poderemos iniciar a reparação da distorção histórica no percentual de representação de mulheres no legislativo e executivo do país.

Do ponto de vista organizacional existem duas formas de se dirigir um partido, através de diretórios definitivos que são eleitos por convenções ou através de comissões provisórias que são nomeadas e deveriam ser utilizadas em casos excepcionais. Hoje as comissões provisórias são o grande mecanismo dos caciques das legendas brasileiras para continuarem no comando sem representação social. A utilização deste mecanismo é tão absurda que de acordo com o levantamento do Broadcast Político (2017) quase 80% das organizações partidárias municipais no Brasil são comandadas por comissões. Segundo o TSE, em fevereiro de 2017, somando as comissões de todos 35 partidos, eram 44.008 comissões provisórias municipais e 415 estaduais.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), através da resolução nº 23.465/2015, na tentativa de reduzir o autoritarismo determinou que os partidos deveriam cumprir o prazo de 120 dias para regularizar suas comissões provisórias ou fixar em seus estatutos prazo para duração das comissões provisórias. A aplicação do artigo 39 da resolução, que aborda o tema, foi adiado por duas vezes por pressão das legendas. Controlar as comissões provisória e impor prazo para seu fim, apesar de parecer uma pequena coisa fará muita diferença na nossa reforma política.

Por fim, para uma verdadeira reforma política é necessário que seja feita uma reformulação das regras partidárias, ou a quebra das barreirais para ascender aos espaços de poder não será efetiva. Nossa recém-nascida democracia precisa se adequar imediatamente ao que de fato importa na construção política de um país: o povo. Nada do que for escrito nos papéis burocráticos da reforma gerará efeito positivo se não for corroborado pelos anseios sociais que gritam há anos nas ruas do nosso país.

 

*As opiniões apresentadas não refletem necessariamente a opinião de nenhuma das instituições citadas. A construção desse artigo de opinião reflete apenas o posicionamento individual.

About the Author

Thaynara Melo

Thaynara Melo, 25 anos é feminista e ambientalista. Formada em biblioteconomia na Universidade de Brasília. Preside a organização social da Teia Solidária que desenvolve trabalho de participação na rede pública de ensino. Liderança Regional do Movimento Acredito e Bolsista do Renova Brasil.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *